A ilusória democracia brasileira

Do antigo pensamento clássico político-filosófico ateniense (Grécia), concebemos a democracia. Instituída de forma direta, detinha dois aspectos relevantes, o preenchimento de cargos públicos e judiciais por cidadãos1 (homens) comuns e a reunião em assembléia pública formada pelos cidadãos de Atenas.

As regras legais eram estabelecidas por uma assembleia formada por cidadãos atenienses, exceto mulheres, escravos, estrangeiros, menores de 20 anos e aqueles que não possuíam propriedades. O envolvimento e o controle do processo político eram efetivamente realizados pelos cidadãos ali reunidos.

Já no séc. XX sobreveio a percepção da democracia liberal, participativa, e junto, vieram as guerras, as revoluções e o enaltecimento do sistema capitalista e sócio marxista, seja por questões econômicas, seja por questões religiosas. Os conflitos resultantes das células do capital decorreram do contraditório relacionamento da mecanização da produção e seus meios e da apropriação da produção excedente (mais-valia) por aquela pequena parcela de “patrões” (burguesia).

No mundo ocidental contemporâneo temos a moderna concepção da democracia política, em cujo caráter eleitoral plebiscitário se encerra a quadrangular moldura da liberalidade democrática. A despeito de seu aspecto generalizado decorrente dos períodos de conflitos revolucionários mundiais (absolutismo), é sobretudo, uma representação lastreada em interesses que revestem uma ilusória isonomia popular (1251 d.c. – carta do Rei João sem-terra).

Por detrás de sua máscara potestádica representativa, a democracia mostra sua lascívia, quando por delegação, o povo concede poderes de representação a outrem para falar, agir, decidir e recentemente, “corromper”, por este e em nome deste. Da Epístola constitucional cidadã – co-irmã deste povo – a quem positiva os poderes de soberania nacional, se conjuram os representantes escolhidos pelo tal, em assembleia, para assegurar o exercício de seus direitos sociais, coletivos e individuais, fraternalmente e sem preconceitos.

É do contrato social de Rousseau que se consagra os princípios democráticos contemporâneos que revestem o estado democrático. Se o poder positivado na Magna Carta Constitucional brasileira de 1988 é do povo, deste emana e ainda, como dito, o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, então este é o maior interessado em desatar o nó górdio que amarra em forte lastro a dignidade, a moralidade e a responsabilidade política da pátria tupiniquim.

É de Sir William, “Fazei-o discorrer sobre a política e o nó górdio do caso ele deslinda, tão facilmente como o faz com a jarreteira2” (Shakespeare, Henrique V, Ato, Cena 1. 45-47).

Em tempos de “Car wash” ou lava-jato, o povo, por mais que tente, não consegue exercer seu poder. Asfixiado pelos próprios representantes que elegeram, ataram com tanta força que não conseguem mais recuperar os direitos que lhe são inerentes e devidos. Direitos esses conquistados a muito sofrimento e que se originam na declaração universal de que todo homem nasce livre, permanece livre e igualmente possuem os mesmos direitos (Declaração Universal dos Direitos do Homem – 1789).

Diz-se da democracia se eleva fundamentalmente a supremacia da vontade popular, a preservação da liberdade e a igualdade de direitos. E nesta tríade de colunas temos o nó que teima em desatar no Brasil atual. A vontade popular não é respeitada. As liberdades individuais não flexibilizadas em favor do clamor popular vingativo e comum. E a isonomia social é mais desigual que seus iguais, porquanto, ainda se sacrificam as mulheres, explora-se o trabalho escravo, excluem os estrangeiros, e estupram os menores, mantendo-se a margem do sistema político nacional aqueles que não possuem propriedades, tampouco posições sociais.

O estado Democrático é aquele em que o próprio povo governa e, portanto, precisa de meios para externar sua vontade, o professor Dallari (2016)3 quem o diz. Contudo, tão logo assenta seus representantes na cadeira do poder, estes são acometidos pela amnésia da hipocrisia e da falácia, porquanto, deixam de governar em nome do povo e lhes arroubam os direitos em prol de seus privados interesses mesquinhos. E assim, se revezam no poder, apresentando às novas escolhas apenas os eleitos por eles mesmos, afim de que a perpetuação do poder corrompido se torne permanente.

Contudo, uma luz ainda há. Nas pessoas de pensamento livre, de bons costumes e que ainda preza pela moralidade social, encontrar-se-á resistência necessária para combater o ardil pseudodemocrático do sistema corrompido que hodiernamente vige e que se instalou entre os brasileiros como sombras que assombram a vida cidadã nas “polis” 4 contemporâneas.

Aulus Eduardo Texeira de Souza, Diretor Executivo

1 Na Grécia antiga somente eram considerados cidadãos, aqueles homens que (aptos) lutavam nas guerras. 2 Liga ou tira elástica em forma de anel, que prende a meia à perna, ou presilha de elástico, unida a um cinto ou a uma cinta, que segura o alto das meias, a fim de conservá-las esticadas nas pernas. 3 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. 4 Modelo das antigas cidades gregas, desde o período arcaico até o período clássico, vindo a perder importância a partir do domínio romano. Devido às suas características, o termo pode ser usado como sinônimo de cidade-Estado.