A promoção de parcerias entre empresas, sociedade civil e governos em ações de responsabilidade social é uma tendência que vem se consolidando no Brasil desde o final da década de 1990, mas ganhou novo impulso com a adoção das empresas à agenda ambiental, social e de governança (ESG, na sigla em inglês). Um estudo realizado no ano passado pela consultoria Grant Thornton com 255 empresas brasileiras mostra que 54% delas pretendem investir em projetos ESG nos próximos 12 meses. Outro indicador do avanço da temática no universo corporativo brasileiro é o número de empresas associadas ao Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, uma das organizações pioneiras no país na disseminação dessa temática: eram 58 em 1998, quando o instituto foi fundado, e hoje são 455 associadas.
A sigla ESG apareceu pela primeira vez em 2004 em um documento do Pacto Global – iniciativa das Nações Unidas para engajar empresas e organizações na adoção de dez princípios nas áreas de direitos humanos, trabalho, meio ambiente e combate à corrupção. Em razão disso, a tríade está mais presente em estratégias corporativas, o que não significa que o poder público não possa abraçar a agenda. Os governos municipais, estaduais e federais podem atuar na esfera ESG por meio de parcerias com empresas e organizações da sociedade civil e também por meio de regulação. Exemplos são bancos públicos que adotam critérios sociais, ambientais e de governança para financiar projetos, ou órgãos e autarquias que promovem licitações e compras públicas com base nos mesmos requisitos.
No ano passado, o Instituto Ethos lançou uma ferramenta de gestão formada por 45 indicadores ESG (15 para cada dimensão – ambiental, social e governança) que jogam luz sobre como as empresas estão lidando com as três esferas. Para Scarlett Rodrigues, coordenadora de projetos em Direitos Humanos do Instituto Ethos, há um avanço das empresas na compreensão da pauta ESG, mas ainda falta adaptar essa agenda para a realidade brasileira, especialmente em relação à dimensão social – o “S” do ESG. “A temática social precisa ser amadurecida em razão do contexto histórico de desigualdades sociais do Brasil, presente na forma como as relações de poder se estabelecem em relação a gênero e raça e também nas violações de direitos humanos. É papel dos atores sociais, sejam empresas, governo ou sociedade civil, trabalhar para transformar essa realidade”, diz. Nos últimos anos, temas como diversidade, inclusão e respeito aos diferentes públicos ganharam maior espaço na agenda corporativa do social, de modo que as empresas estão buscando indicadores para avaliar e validar suas iniciativas.
ESG para educação e conscientização
Visando fomentar o debate sobre respeito e diversidade, a 99, empresa de tecnologia voltada à mobilidade e conveniência, criou em 2020 o Guia da Comunidade. O projeto, em parceria com o Instituto Ethos, foi desenhado para ser uma ferramenta de educação e conscientização de motoristas, motociclistas e passageiros usuários da plataforma. O documento traz cinco princípios básicos da plataforma: Respeito, Segurança, Responsabilidade, Comunicação e Medidas de Proteção e Higiene.
Antes de desenvolver o guia, a empresa mapeou que 59% dos incidentes de segurança durante as corridas eram causados por falta de respeito entre os usuários. Entre as ocorrências, estavam agressões verbais e físicas, assédios e discriminações – ou seja, casos que poderiam ser evitados caso o respeito ao próximo tivesse prevalecido.
A construção do Guia da Comunidade envolveu entrevistas com líderes da companhia e diálogos com grupos focais compostos por passageiros e motoristas de todo o país, além do apoio do Instituto Ethos. “Nessas interações, entendemos quais eram os pontos mais importantes para quem faz e para quem usa o aplicativo, de maneira aprofundada”, explica Lorena Pilotto, diretora de comunicação da 99.
Os entrevistados foram selecionados da base de usuários da 99, levando-se em consideração fatores como gênero, localidade, raça e orientação sexual para incluir diferentes perfis. Já os públicos de interesse externos e grupos parceiros foram selecionados pelo Instituto Ethos com base na relevância social e conhecimento sobre o tema, com validação dos resultados por meio de pesquisas qualitativas e quantitativas.
A etapa seguinte foi submeter o documento à avaliação de especialistas como Margareth Goldenberg, gestora executiva do Movimento Mulher 360, organização que atua no engajamento de empresas na promoção da equidade de gênero e empoderamento feminino, e Ivone Santana, secretária executiva da Rede Empresarial de Inclusão Social e membro do conselho de gestão da Secretaria Estadual das Pessoas com Deficiência do Estado de São Paulo.
Na época de seu lançamento, em 2020, o Guia foi referendado por uma pesquisa com mais de 1.600 usuários da plataforma, e mais de 90% consideraram o documento útil. Após um ano, a 99 realizou um novo levantamento para entender o impacto do Guia no comportamento dos usuários e foi constatado que, no período de setembro de 2020 a setembro de 2021, houve redução de 26%, para cada 1 milhão de corridas realizadas, nas ocorrências ocasionadas por desrespeito.
Em 2022, a 99 revisitou o guia e atualizou o documento, levando em conta o cenário do país e do transporte por apps, para aprimorar a comunicação da empresa – um marketplace que conecta mais de 20 milhões de pessoas em todo o Brasil- com seus usuários e a sociedade.
Cada capítulo do documento passou a trazer orientações mais aprofundadas sobre os comportamentos para ajudar os usuários a compreenderem seus direitos e deveres e suas responsabilidades individuais e coletivas. O documento frisa que muitas vezes é preciso lidar com opiniões e ideais distintas e que a empresa não tolera nenhum ato de violência, como racismo, LGBTI+fobia e intolerância religiosa ou política.
Conexão com agenda ESG
Ter normas e políticas por escrito, como acontece na 99, é um ponto essencial para as empresas que buscam adotar uma agenda ligada às questões ESG, pois contribui para o entendimento das causas e o engajamento dos públicos de interesse – os chamados stakeholders- na pauta. “Regras por escrito reforçam a cultura e a governança corporativa e eliminam o risco de que a mensagem sofra mudanças”, afirma Sonia Consiglio, especialista em sustentabilidade e SDG Pioneer, reconhecimento dado pelas Nações Unidas para pessoas que trabalham para promover os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Atualmente, as empresas de aplicativos de mobilidade urbana estão às voltas com os desafios da agenda ESG, e são cada vez mais questionadas pelo público em relação a temas como questões sociais e trabalhistas, emissões de carbono, já que a maioria das frotas são de carros movidos à combustão, e também em relação à segurança dos usuários.
“Temos um forte compromisso de gerar impacto positivo, tanto socialmente quanto ambientalmente, e seguimos investindo em ações a partir da promoção do acesso à mobilidade, iniciativas voltadas para a pauta feminina, racial e LGBTQIA+”, afirma Pilotto. A agenda ESG da 99 contempla ainda parcerias para aumentar o ganho dos motoristas da plataforma, investimento em veículos elétricos para diminuir a emissão de gases de efeito estufa, além da mobilização de debates na esfera pública e privada para engajar atores-chave para o desenvolvimento de mais soluções sustentáveis.
De acordo com Consiglio, promover a cultura de respeito à diversidade e combate às discriminações é uma oportunidade ímpar de posicionamento ESG para as empresas de aplicativos de mobilidade, pela capacidade de alcançar e sensibilizar um grande número de pessoas. “O mundo é diverso e está caminhando para um entendimento dessa realidade, de forma que os aplicativos têm o papel de fomentar essa agenda, o que também é bom para sua própria imagem e reputação”, ressalta.