O erro do médico e a sua responsabilidade civil

Em qual momento o médico assume a responsabilidade por um erro causado no exercício de sua atividade profissional?

A responsabilidade civil é um dos temas mais amplos e debatidos do Direito moderno, e o erro médico é considerado uma das agressões mais graves ao bem jurídico da pessoa humana.

Para que melhor se explique a pergunta, é fundamental que se saiba o que é responsabilidade civil. 

Previsto no artigo 927 do Código Civil, a responsabilidade civil é uma garantia que obriga o causador de um dano proveniente de um ato ilícito a reparar o resultado do dano à vítima.

Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves, “a responsabilidade civil é o dever jurídico secundário de reparar o dano decorrente do descumprimento do dever jurídico primário de não lesar”.

O artigo 951 do Código Civil prevê que profissionais da saúde são responsáveis por erros médicos quando, no exercício de sua profissão, atuarem com negligência, imprudência ou imperícia, e causarem à morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.

Nestes termos, o profissional possuí o dever de indenizar a vítima quando, por exemplo, esquecer um bisturi em seu abdômen, fazer uma análise precária das queixas do paciente, receita-lo tratamentos equivocados ou desnecessários, entre outros.

Importante ressaltar que – na sua forma mais comum – a responsabilidade do profissional é subjetiva e o dever de indenizar a vítima só ocorre diante de uma ação ou omissão, dolosa ou culposa, do médico. Portanto, Jurandir Sebastião alega que “em sede de culpa provada, cabe ao autor da demanda (vítima do dano) demonstrar a conduta imprópria do agente (causador do dano) para obrigá-lo à indenização”.

Ainda, para que o médico ou profissional da saúde seja responsabilizado, é necessário a avaliação de mais alguns fatores. A estrutura do local em que ele presta seu serviço, as horas de trabalho prolongadas as quais é submetido e os equipamentos (ou a falta destes) à sua disposição são exemplos de dificuldades que devem ser levadas em consideração no momento de apurar sua culpa.

Ademais, são necessários três elementos essenciais para caracterização do erro: ato ilícito, dano e nexo de causalidade.

O ato ilícito se caracteriza quando existe um ato que cause prejuízos a outrem, o dano quando há um objeto (decorrente do ato ilícito) a ser reparado e o nexo de causalidade quando se encontra um elemento referencial entre a conduta e o resultado. O nexo causal esclarece quem foi o causador do dano.

Quando o médico é um profissional liberal, a sua responsabilização civil é prevista também no Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 14, §4º, que verifica a culpa do indivíduo e seus elementos. 

De acordo com o dispositivo legal, o paciente é consumidor para quem é prestado um serviço e o médico é o fornecedor que desenvolve atividades de prestação de serviços. 

No entanto, quando se tratar de assistência prestada por hospital, não é necessário que o paciente comprove a culpa do hospital, pois essa é objetiva e não há necessidade de comprovação de culpa subjetiva, na forma de fornecedor, de acordo com o art. 14 do Código de Defesa do Consumidor.

Entretanto, quando o médico possuir vínculo empregatício com a empresa hospitalar, responderá de forma subjetiva mediante a comprovação de sua culpa, e o hospital pode cobrá-lo por meio de uma ação de regresso, no prazo de 3 (três) anos.

Para mais, é necessário averiguar se não há, também, culpa da vítima na execução do tratamento médico recomendado. Não há como responsabilizar o profissional se, após as recomendações médicas, o paciente não seguiu as orientações fornecidas com precisão; ou, então, omitiu informações cruciais que impactam diretamente no tratamento disponibilizado, tais como ingestão de álcool ou de drogas.

Nesses casos, em que existe culpa exclusiva da vítima, embora seja claro o ato ilícito e o dano, não há nexo de causalidade e, consequentemente, não há culpa do profissional da saúde.

Além disso, o Código de Ética Médica também trata do tema. De imediato, no seu artigo 1º, § único, é possível verificar que a responsabilidade médica é sempre pessoal e não pode ser presumida; demonstrando, mais uma vez, que a responsabilidade do médico é, em regra, subjetiva.

O mesmo dispositivo legal impõe ao médico o dever de desempenhar a medicina com honra e dignidade, imputando ao profissional a incumbência de sempre aprimorar seus conhecimentos e utilizar da melhor forma o progresso científico à sua disposição.

Portanto, responsabilizar o médico por infringir regras basilares de sua profissão é um direito da vítima e da sociedade e um dever do Estado. Cabe, primeiramente, aos conselhos de medicina apurar as eventuais infrações éticas cometidas pelos seus profissionais, e quando essas infrações transcenderem essa esfera, é necessário que o Estado acione seus mecanismos de repressão a fim de garantir a segurança da vítima e da coletividade. 

No entanto, para que se chegue efetivamente a raiz do problema é importante que não se avalie apenas a subjetividade do fato específico, mas que se faça uma análise das longas jornadas de trabalho, das imperfeições nas formações técnicas dos profissionais, da falta de instrumentos adequados para realização do trabalho (especialmente quando forem fornecidos pelo Estado), da quantidade ínfima de profissionais qualificados, da ética profissional e do desempenho dos profissionais nessas condições.

Por fim, para a diminuição dos erros, além da resolução dos problemas acima apresentados, é importante que exista uma verificação de informações corretas nos prontuários, higienização e organização adequadas dos locais de trabalho, diminuição das horas prolongadas dos médicos e maior ensinamento prático nos cursos voltados à área da saúde.

Referências:

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