Evento debateu impacto dos avanços da era digital sobre testamentos e reprodução.
Realizado pela Comissão de Direitos de Órfãos e Sucessões (Cdos) da OABRJ, o evento “Novas tecnologias e direito das sucessões” discutiu os rumos do Direito sucessivo no mundo digital em quatro palestras apresentadas na manhã desta terça-feira, dia 29, no Plenário Evandro Lins e Silva, na sede da Seccional. O evento teve o comando da advogada Roberta Barcellos.
“Temos um arcabouço de bens digitais, mas mais do que isso, a internet virou uma forma de auferir renda”, afirmou a advogada e professora da Pontifícia Universidade Católica (PUC), Ana Luiza Maria Nevares, que abordou o tema “Herança digital”.
“Hoje, influencers ganham dinheiro fazendo posts sobre produtos no Instagram. Atualmente, há uma demanda judicial muito acirrada em relação à cantora Marília Mendonça, que faleceu, mas deixou perfis super rentáveis e uma conta no YouTube com milhões de seguidores. E com isso surgem questões: perfis no YouTube e no Instagram seriam bens de natureza existencial ou patrimonial? As plataformas passaram a prever a possibilidade de transferência das contas, e os parentes assumem uma função de defender a personalidade do falecido, por isso que quantos mais pessoas possam fiscalizar e defender essa personalidade, mais eficaz será essa defesa. Estamos sendo guiados por empresas privadas imensas que têm todos os nossos dados, e vão moldando as nossas necessidades de consumo. Essa é uma questão delicada que precisa ser enfrentada, porque nossa fragilidade perante à tecnologia pode fazer dela um enorme inimigo”.
Completaram a mesa a presidente da comissão, Rose Meireles; a tabeliã substituta do 15° Ofício de Notas, Ana Agra, e a advogada e professora da PUC, Paula Moura, que abordou o tema “Reprodução humana post mortem”.
“Quando pensamos no Direito de Saúde, vemos que cada vez mais temos mudanças que trazem desafios ainda sem resposta, em razão de um vácuo normativo”, afirmou Moura.
“Nós, operadores do Direito, temos que tentar concatenar todas as normas existentes para nos orientar e nos guiar. Cada vez mais a medicina tem evoluído, com novas possibilidades, um maior rastreamento de riscos, uma verdadeira era da cybermedicina que envolve, é claro, as técnicas de reprodução humana. Se nos anos 1970 falávamos de fecundação in vitro, hoje discutimos clonagem e terapias gênicas, e essas novas configurações apresentadas nos obrigarão a caminhar pelo Código Jurídico inteiro. É essencial planejar o destino do material genético de cada pessoa que se submete a uma técnica como esta, e garantir a divisão patrimonial. E além disso, há uma série de outras questões que surgem quando não há essa previsão. Caberá ao operador do Direito analisar e ver qual a norma existente para ser utilizada e salvaguardar os direitos dos envolvidos”.
O testamento por meio digital foi o tema da palestra da presidente da Cdos, Rose Meirelles que alertou para os perigos trazidos por tecnologias como as que permitem a criação de vídeos como os chamados deep fake.
“Os meios eletrônicos são o futuro, mas já estão aqui, e nós seguimos engatinhando e aprendendo a lidar com eles e com os efeitos que eles trazem aos Direito Sucessório”, afirmou Meirelles. “Uma primeira questão teórica que temos que ultrapassar é este conceito de presença, passando a admitir que a presença virtual seja vista da mesma forma que a presença física em situações envolvendo testamentos. Outra questão envolve os testamentos por vídeo. A mesma tecnologia que nos ajuda é a que cria riscos enormes. Agora as tecnologias já estão tão avançadas que colocam em xeque os testamentos em vídeo, que podem ter suas imagens alteradas e manipuladas”.