O ENTENDIMENTO DO STJ ACERCA DO DEVER DE INDENIZAR DO BANCO, NO CASO DE VÍCIOS OCULTOS DE VEÍCULO COMPRADO EM REVENDEDORA COM FINANCIAMENTO BANCÁRIO

A controvérsia enfrentada pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) trata-se do dever ou não de indenizar do Banco por alegados vícios ocultos de veículo comprado em revendedora com financiamento bancário.

In casu, o consumidor afirma que adquiriu um veículo usado em uma loja e pagou parte do valor total por meio de financiamento bancário, todavia, o banco demorou para enviar o contrato (em torno de 90 dias), razão pela qual veio a pagar as prestações normalmente, haja vista o receio de inscrição junto aos órgãos de proteção ao crédito e busca e apreensão do bem.

Quando foi realizar a transferência do veículo, este restou impedido, haja vista a existência de alienação fiduciária a outra instituição financeira. Além disso, ao utilizar o veículo verificou que este apresentava defeitos mecânicos.

O Juízo da 11ª Vara Cível de Santos/SP rescindiu os contratos de compra e venda e de financiamento, condenando os réus (Vendedora e Banco), de forma solidária, a restituírem os valores desembolsados. Todavia, não reconheceu o dano moral sofrido pelo autor/consumidor, julgando o pedido improcedente. 

Após recursos interpostos pelas partes, o Tribunal de Justiça de São Paulo acolheu parcialmente o recurso do autor/consumidor, condenando, solidariamente, os réus ao pagamento de indenização por danos morais, ante a demonstração de frustração deste, bem como a manifesta negligência da vendedora que atuou no negócio e falta de interesse dos réus em resolver satisfatoriamente o problema.

Em ato posterior, a Instituição Bancária interpôs Recurso Especial à Corte Superior, onde, o relator Ministro Luis Felipe Salomão, no que concerne o dano moral, considerou que o autor/consumidor faz meras ilações acerca dos alegados vícios no veículo, sendo que a sentença sequer demonstra os apontados graves “defeitos no veículo”.

Ademais, interpretando o Código de Defesa do Consumidor, dispôs que haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Isto é, para a caracterização da obrigação de indenizar, não é decisiva a questão da ilicitude da conduta, tampouco o fato de o serviço prestado não ser de qualidade, mas sim a constatação efetiva de dano ao bem jurídico tutelado. 

O Ministro frisa ser recorrente o equívoco de se tomar o dano moral em seu sentido natural e não jurídico, associando-o a qualquer prejuízo incalculável ou com um caráter de mera punição.

Enfim, segundo a Turma, são os interesses existenciais aqueles tutelados pelo instituto da responsabilidade civil por dano moral.

Contudo, aqui não abrange aborrecimentos ou frustrações a envolver relação contratual, ou mesmo equívocos perpetrados pela administração pública, ainda que demandem providências diversas ou ajuizamento de ação, pois, a toda evidência não tem condão de, em regra, afetar o direito da personalidade, interferindo intensamente no bem-estar do consumidor (saúde mental). 

No caso em comento, embora o autor/consumidor tenha dito que pagou as três prestações por receio de que seu nome fosse incluso em cadastro negativo e o veículo sofresse busca e apreensão – o que poderia, de fato, levar a um abalo moral -, tais problemas não se concretizaram. Além disso, observou o Ministro Relator, não foram efetivamente comprovados os danos apontados no veículo.

Assim, o uso do dano moral como instrumento para compelir o banco e a vendedora do veículo a fornecer serviço de qualidade desborda do fim do instituto, não cabendo ao Poder Judiciário impor as limitações eventualmente necessárias à autonomia privada, pois isso poderia trazer consequências imprevisíveis no âmbito do mercado, em prejuízo dos próprios consumidores. Dessa forma, por unanimidade, a 4ª Turma deu provimento ao Recurso Especial interposto pela Instituição Financeira, nos termos do voto do relator, afastando a indenização por danos morais e, por conseguinte, restabelecendo a sentença.

Danielli Mattos, advogada, analista de jurimetria

Fonte:
https://migalhas.uol.com.br/quentes/337491/stj-condiciona-dano-moral-a-interesse-existencial-e-afasta-indenizacao-por-frustracao-do-consumidor
https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/03122020-Quarta-Turma-vincula-dano-moral-a-interesses-existenciais-e-afasta-indenizacao-por-frustracao-do-consumidor.aspx