Por que apenas 7% das empresas sobrevivem a mais de duas gerações?

Estudos sugerem que, dentre os principais problemas, destacam-se a centralização excessiva de poder, a sobreposição de papéis e a falta de um planejamento sucessório adequado. Há, porém, boas referências que contrariam as estatísticas

Recentemente, deparei-me com um artigo interessante sobre como o aumento da expectativa de vida do ser humano está se aproximando do máximo possível para a espécie. Ainda que o conceito de expectativa de vida seja empregado, geralmente, para se referir a pessoas físicas, não pude deixar de comparar com a realidade das pessoas jurídicas.

Durante o século XXI, houve um aumento drástico da expectativa de vida, impulsionado por avanços tecnológicos e pelo desenvolvimento de infraestrutura, em especial de saneamento básico, chegando à média de 76,4 anos em 2023.

Ao passo que apesar de, em tese, as empresas poderem viver indeterminadamente, na prática, a sua “taxa de mortalidade” no Brasil é bastante alta. Em um país onde mais de 90% das empresas têm perfil familiar, a “expectativa de vida” das companhias é, em média, menor que a do ser humano.

Apenas 7% delas sobrevivem por mais de duas gerações (aproximadamente, 50 anos).

Fatores determinantes da longevidade de uma empresa
E quais são os fatores determinantes à longevidade de uma empresa? Estudos sugerem que, dentre os principais problemas, destacam-se a centralização excessiva de poder, a sobreposição de papéis e a falta de um planejamento sucessório adequado.

Pensando nisso, achei interessante abordarmos os mecanismos de governança corporativa que permitem transpor ou amenizar essas dificuldades. Estes mecanismos funcionam como um verdadeiro “sistema de saneamento básico” das empresas.

A ideia de governança corporativa, que já foi objeto de um artigo na Inteligência Financeira (Série Succession: Governança corporativa na prática), diz respeito à estrutura de direção, monitoramento e incentivo de uma empresa. Assim, envolve o relacionamento entre sócios, acionistas, executivos, órgãos de fiscalização e demais stakeholders.

Analisando especificamente as empresas constituídas sob a forma de sociedade anônima, esse sistema é protagonizado por quatro órgãos. São eles: a Assembleia Geral, a Diretoria, o Conselho de Administração e o Conselho Fiscal, mas também podem existir outros órgãos, como conselhos de diversos tipos, comitês temáticos, entre outros.

Apesar de haver limites legais para o funcionamento dessas estruturas, suas atividades podem ser detalhadas no Estatuto Social, no Acordo de Acionistas e em regimentos internos da companhia.

Expectativa de vida corporativa: o caso do Itaú Unibanco
Para trazer mais concretude ao assunto, vamos tomar como exemplo o Itaú Unibanco. O banco é uma sociedade anônima de capital aberto, fundada por duas famílias (Egydio de Souza Aranha e Moreira Salles) e em 2024 atingiu a impressionante marca de 100 anos. Assim, um reflexo de um modelo de governança sólida e meritocrática.

Um dos órgãos mais importantes do Itaú Unibanco, e de qualquer outra companhia constituída como sociedade anônima, é a Assembleia Geral. Trata-se de um órgão deliberativo que tem poderes para decidir questões relativas ao objeto social, conforme julgar conveniente à sua defesa e desenvolvimento.

Nesse sentido, a Assembleia tem algumas competências privativas, determinadas em lei. Dentre as quais, destaco as seguintes: reformar o estatuto social, eleger e destituir administradores, e deliberar sobre as demonstrações financeiras.

Da Assembleia podem participar todos os acionistas, sendo que a aprovação das deliberações decorre, via de regra, do apoio da maioria absoluta do capital social, salvo exceções previstas em lei.

A esse respeito, é importante diferenciar os dois principais tipos de ações: as ordinárias e as preferenciais. As primeiras conferem aos seus titulares direito a voto nas Assembleias. Já as segundas, em geral, não garantem ao acionista participação na tomada de decisões. Porém, asseguram prioridade no recebimento de dividendos, e devem corresponder a, no máximo, 50% do total de ações.

De forma simplificada, no Itaú Unibanco, as ações ordinárias são detidas, sobretudo, pela Itaú Unibanco Participações S.A. (IUPAR) e pela Investimentos Itaú S.A. (ITAÚSA), empresas cujo controle é exercido, no final de cada cadeia societária, pelas famílias fundadoras da instituição.

A utilização de diferentes categorias de ações pode ser importante no momento da abertura de capital. Aliás, diga-se de passagem, a abertura de capital pode trazer diversas vantagens para o crescimento da empresa, como captação de recursos. Ademais, assegura que o poder decisório permaneça concentrado nos núcleos familiares.

Dispersão do poder decisório: como evitar
Entretanto, a emissão de diferentes categorias de ações pode não ser o suficiente para evitar a dispersão do poder decisório, existindo outros dispositivos que podem servir a esse fim.

No Acordo de Acionistas da Companhia ESA, documento assinado pelos acionistas da ITAÚSA, por exemplo, consta que os acionistas devem direcionar, por meio de testamento, a totalidade das ações da empresa aos seus descendentes, e não ao cônjuge ou companheiro.

Dependendo das circunstâncias, este pode ser um ponto chave na governança corporativa. Além de manter o controle concentrado na família consanguínea e de descendentes, pode garantir que os valores da(s) família(s) fundadora(s), que têm balizado sua atuação empresarial ao longo das gerações, sejam preservados.

Acordo de Acionistas
E o que consiste em um Acordo de Acionistas, tal como aquele elaborado no âmbito da ESA? Trata-se de um contrato celebrado entre os acionistas da companhia que estabelece seus direitos, deveres e responsabilidades.

Esse Acordo pode prever, por exemplo, a participação obrigatória dos membros em um Conselho Familiar, que deverá promover palestras e reuniões familiares visando a formação de seus membros e a sua aproximação aos negócios.

Também é possível que ele contenha dispositivos para regular o direito de voto dos acionistas, podendo estabelecer a quantidade de votos por quota e/ou exigir que os acionistas votem em blocos nos quais a decisão seja unânime.

Além disso, podem existir restrições à alienação de ações a terceiros, como vedações temporárias e direito de preferência dos acionistas existentes na aquisição das ações que sejam colocadas à venda.

Por fim, é possível estipular penalidades em caso de violação ao Acordo, como a venda obrigatória da participação acionária, com a consequente saída da sociedade.

O Acordo de Acionistas é um dos principais documentos de governança para uma sociedade, uma vez que regula a forma como os acionistas irão se portar, e deve ser elaborado levando em consideração as especificidades de cada negócio.

Diretoria: órgão executivo da companhia
Dando um passo à frente, a Diretoria é o órgão executivo da companhia. Ele é composto por pelo menos uma pessoa eleita pelo Conselho de Administração ou, na falta deste, pela Assembleia Geral.

À Diretoria compete, no plano interno, gerir a empresa, e, no plano externo, manifestar a vontade da sociedade nos atos e negócios que pratica, necessários ao funcionamento regular da entidade.

Devem constar no Estatuto Social as regras para funcionamento deste órgão, como composição, modo de substituição, atribuições de cada um dos diretores e modo de funcionamento. Por lei, tais diretores podem permanecer em seu cargo por até três anos, sendo possível a reeleição.

No caso do Itaú Unibanco, no ano de 2024, foram eleitos ou reeleitos 33 diretores. São executivos altamente especializados e com vasta experiência no mercado, para mandatos de um ano, com possibilidade de reeleição.

Aqui, optou-se por priorizar a nomeação de pessoas qualificadas aos cargos, independentemente de serem (ou não) membros das famílias fundadoras. Assim, pode ser uma estratégia interessante tanto para garantir a melhor gestão possível da empresa quanto para assegurar que os familiares que venham, eventualmente, a ocupar cargos executivos sejam devidamente preparados para essa posição.

Conselho de administração: qual é o papel dos conselheiros?
O Conselho de Administração, por sua vez, é formado por um colegiado de conselheiros cuja função principal é orientar os negócios da sociedade. Além disso, cabe ao Conselho de administração eleger, destituir e fiscalizar os Diretores.

Esse colegiado deve contar com, no mínimo, três membros, eleitos pela Assembleia e por ela destituíveis a qualquer tempo, garantindo-se, assim, um sistema de “freios e contrapesos”.

No Itaú Unibanco, são 13 conselheiros, dentre os quais nenhum é executivo, e mais de 50% são membros independentes. Ou seja, membros que não têm relacionamento com a instituição.

Ademais, busca-se assegurar o máximo de imparcialidade, a atuação do Conselho é regulada por uma política sólida, estabelecida em regimento interno, de prevenção a situações de conflito de interesses.

Conselho fiscal: guardião dos atos dos administradores
Por fim, o Conselho Fiscal é o órgão responsável por fiscalizar os atos dos administradores. Cabe a ele verificar o cumprimento de seus deveres, examinar as demonstrações financeiras, dentre outras funções.

Ele pode funcionar de modo permanente ou apenas nos anos em que for instalado a pedido dos acionistas, conforme deliberado em Assembleia, e deve ser composto por, no mínimo, três, e, no máximo, cinco membros.

Estes devem ser pessoas físicas residentes no Brasil, não podendo ser eleitos membros de órgãos de administração e empregados da companhia, de sociedade controlada ou do mesmo grupo, nem o cônjuge ou parente, até terceiro grau, de administrador da companhia.

Expectativa de vida corporativa e o sistema de governança
Em conclusão, é inegável que os quatro órgãos mencionados são centrais para uma boa governança corporativa. Consequentemente, também o são para o bom funcionamento de uma empresa, e ainda existem outras estruturas que podem garantir mais robustez ao sistema de governança.

No caso do Itaú Unibanco, optou-se pela implementação de uma estrutura mais complexa, que inclui, além de Assembleia, Diretoria, Conselho de administração e Conselho fiscal, um Comitê Executivo, dois comitês estatutários, e mais nove comitês não estatutários.

De todo modo, é importante que cada família avalie as características e atividades de sua companhia. No fim, o objetivo deve ser definir o sistema de governança que mais faça sentido à sua realidade.

Talvez essa seja a infraestrutura que falte para aproximar a expectativa de vida da empresa ao “limite máximo possível para a espécie”: indeterminado.